Desde que eu comecei o blog, a primeira pergunta que todo mundo me faz é: “Jô, a Zara nunca entrou em contato com você?”.
Nunca, minha gente. Nesses seis anos de blog, não recebi nenhum email, ligação, pombo correio ou intimação por parte da Zara, nem pra me dar um ano de roupas (já que eu fiquei um ano sem, né?) e nem pra me processar, então, no fim das contas, sempre tive a sensação de que saí no lucro nessa história.
E assim vivemos, durante muito tempo, eu aqui, a Zara lá. Minhas interações com a gigante da moda se resumindo basicamente às esporádicas vezes que eu entrava na loja que fica perto do trabalho, seja pra ver o que tá rolando ou pra comprar alguma coisa (sim, eu ainda compro na Zara, bem menos do que antes, mas compro). Até que rolou essa viagem pra Espanha.
Quem leu esse post aqui já sabe sobre a viagem que eu fiz pra San Sebastián a convite da Secretaria de Turismo da Espanha. Pois bem. No meio da organização do roteiro junto com o pessoal da Espanha, surgiu a oportunidade da gente dar uma esticadinha depois de San Sebastián e ir até La Coruña. O motivo: conhecer a sede da Inditex, maior grupo de varejo de moda do mundo, mais conhecido como “donos da Zara”.
Sim. Euzinha, que há seis anos comecei um desafio chamado Um ano sem ZARA, estava sendo convidada a pisar lá onde essa empresa nasceu. Se vocês também tão achando surreal, imagina como eu fiquei.
O convite era pra ir como imprensa. Sem nenhum pagamento envolvido. Sem ter que fazer propaganda alguma. Eu, a Manu e a Bia iríamos pra conhecer melhor a empresa por dentro, como funcionam as áreas e, o mais importante pra mim, estaríamos livres pra fazer as perguntas que a gente quisesse e pra escrever o que a gente quisesse (se quisesse) a respeito da visita.
Chegamos em La Coruña lá pela hora do almoço e fomos recebidas por um motorista no aeroporto. De lá, seguimos pra um restaurante onde fomos recebidas por duas gerentes de marketing da Zara e a chefe de relações públicas do grupo Inditex.
Foi super bacana poder estar na mesma mesa com essas moças, ouvindo um pouco mais sobre a história e as curiosidades por trás do império da Zara. Como o fato de que o Sr Ortega, fundador do grupo, ainda vai trabalhar todos os dias, do alto dos seus 81 anos. Ou que o nome da Zara era pra ter sido Zorba, mas na hora de registrar no cartório, o Sr Ortega descobriu que já tinha uma loja com esse nome.
Também falamos sobre coisa séria, como as 170.000 pessoas que a empresa emprega atualmente pelo mundo. Hoje são mais de 7 mil lojas distribuídas em 93 países.
Do almoço, fomos direto pro centro de logística e distribuição da Inditex. Só contando, não dá pra ter noção do tamanho desse lugar, minha gente. O troço é gigantesco. (olha o tamanho dos carrinhos do lado do prédio pra vocês terem uma ideia)
Também não tinha como não ser. Por hora, a empresa produz mais de 35 mil peças em países como Portugal, Espanha e Marrocos. Quando prontas, essas peças vão justamente pra esse centro de distribuição em La Coruña, onde são passadas e embaladas pra seguir pras lojas da Zara no mundo inteiro. Tudo isso em 48 horas, permitindo que cada loja da Zara receba uma leva de roupas novinha duas vezes por semana.
Pra dar conta desse volume todo, o centro de logística é todo automatizado. Praticamente não se vê gente, só trilhos que carregam roupas e caixas pra cima e pra baixo.
Mas o que dá mesmo a noção do volume de peças que passa por ali é ver aquelas centenas de roupas exatamente do mesmo modelo, uma do ladinho da outra, prontas para irem viajar o mundo até chegarem até você. Olha essa quantidade de blazer preto aí atrás de mim. Todos iguais.
Depois da área de logística, subimos alguns andares e chegamos no escritório, onde ficam os departamentos de design e desenvolvimento da Zara Woman, Zara Man, Kids e Home. Cada uma em um andar diferente.
É ali que fica a galera que busca referências, desenha as coleções, escolhe os materiais. E onde são desenvolvidos os primeiros protótipos que vão servir de guia para a fabricação das peças.
Andamos por todos os andares, enormes e super espaçosos, com designers sentados sempre em frente a um buyer, os caras que pegam o desenho da peça e vão em busca dos materiais pra produzir aquela peça (desde tecido, passando por todos os aviamentos).
Bem do ladinho dessa galera, numa das extremidades do prédio ficam os estúdios fotográficos. São mais de 15 estúdios que servem pra fotografar todas as peças que vão entrar pro site da marca. A movimentação é grande por ali, com modelos, fotógrafos e stylists andando pra cima e pra baixo diariamente.
A parte final do nosso tour foi passear pelo corredor enorme que abriga as lojas modelo, lojas onde a galera de visual merchandising estuda exatamente como cada coleção vai ser apresentada dentro da loja. Sim, desde como vai ser a vitrine até que peças vão ficar juntas na mesma parede, na mesma arara. Aí eles criam um guia que deve ser replicado em todas as lojas da rede. Tudo pra gente estimular as combinações, fazendo com que consumidoras se encontrem mais facilmente e sintam aquela vontade malvada de comprar mais do que uma só peça.
De propósito, eu resolvi fazer todas as perguntas no final. Queria primeiro ver tudo, ouvir o que elas tinham pra dizer, pra depois questionar. E assim foi. Chegamos ao final do nosso tour e eu falei que tinha algumas perguntas a fazer e que, inclusive algumas dessas perguntas vinham diretamente de leitoras que me enviaram suas dúvidas pelo Instagram. Basicamente todas elas abordavam, de uma forma ou outra, os escândalos sobre trabalho escravo em que a Zara constantemente se vê envolvida. Perguntei qual era a posição da empresa sobre isso e o que de concreto estava sendo feito para evoluir as condições de trabalho nas fábricas.
A resposta veio da chefe de relações públicas da empresa, tão eloquente que parecia que ela já tinha aquele discurso na ponta da língua (imagino que eu não tenha sido a primeira pessoa a perguntar alguma coisa do tipo).
Ela explicou que a Zara é uma empresa de capital aberto e, por isso mesmo, tem que se submeter aos mais altos padrões de produção e passar por auditorias constantes. Reforçou que a Zara tem um compromisso forte com oferecer condições de trabalho dignas aos seus funcionários e blá blá blá. E que tudo isso tá lá explicadinho no site deles. E que o problema é que parte da fabricação é terceirizada e muitas vezes esses terceiros acabam também terceirizando (ou seria quarterizando?) a produção. E é aí que o bicho pega porque eles perdem o controle.
Ela também falou que muitas dessas empresas estão localizadas em países que nem tem leis trabalhistas então os próprios governos são cúmplices dessas situações. Porém ressaltou que a Inditex luta pra que isso não aconteça. Ela mencionou que qualquer rumor é investigado a fundo e essas empresas são vetadas para sempre de fornecer para o grupo Inditex.
Entendeu? Entendi. Tudo bem, tudo lindo na teoria, PORÉM (e esse “porém” vem em caps porque ele é bem grande mesmo) vamos combinar que dava pra fazer mais do que isso?
A Zara fatura hoje mais de 5 bilhões de Euros anualmente. Não dava pra se empenhar mais em melhorar a cadeia de produção? Eu acho que dava. Uma empresa desse tamanho não pode fazer só o básico. Não pode se conformar que não dá pra ter controle.
Imagina se a Zara, do tamanho que ela tem, resolvesse mudar de verdade o mercado de moda? Imagina que poderoso isso ia ser? Imagina se eles resolvessem faturar um pouco menos e investir uma parte dos lucros em garantir uma cadeia produtiva melhor.
Eu acho que ia ser bem maneiro.
E aí você me pergunta: Jojô, valeu a pena ter ido lá?
Valeu pra caramba. Primeiro pra me informar. Acho que a primeira coisa que a gente precisa ter quando vai falar sobre um assunto é conhecimento sobre ele. A Zara é um gigante que começou do nada. É impossível não ter um tipo de admiração (será que essa é a melhor palavra? mas enfim) pelo espírito empreendedor do Sr Ortega e pela maneira como ele criou seu império. Sim, hoje a Zara contribui para o desenvolvimento de diversas regiões, gera empregos e democratiza a moda com roupas que traduzem as tendências a preços mais ou menos acessíveis.
Mas tudo isso vem a um custo. O custo de um processo produtivo muitas vezes cruel e um incentivo ao consumo que gera pessoas como eu há seis anos atrás, obcecadas por comprar, dependentes emocionalmente de roupas novas, e que se afundam em dívidas pra comprar peças que nem precisam.
Depois que eu vi o True Cost (documentário incrível sobre a indústria da moda, disponível no Netflix), eu confesso que parei totalmente de consumir em fast fashions por algum tempo. Até hoje tenho muito bode da H&M e nem entro lá (a marca é super massacrada no documentário justamente por ser a que mais produz em países de terceiro mundo, especialmente na Ásia). Mas voltei a comprar algumas coisas na Zara (muito menos do que comprava antes) quando vim morar em Londres porque marcas independentes aqui costumam ser bem mais caras e eu ganho menos aqui do que eu ganhava no Brasil.
Mas confesso que não gosto muito da sensação que me dá não. Me sinto cúmplice de uma coisa que eu não acho legal. Enfim, tô trabalhando isso ainda dentro de mim. Enquanto isso, vou usando esse espaço aqui, que é o meu veículo de comunicação, pra falar sobre esses assuntos na esperança de que esse tipo de post gere debates, que gere pressão sobre essas marcas e que, eventualmente, gere mudanças pra melhor.
É isso, minha gente, já falei muito por hoje, né? É que o assunto é complexo. A boa notícia é que a gente pode (e deve) continuar sempre falando dele. Me dá a sua opinião sobre tudo isso aí nos comentários? Se quiserem também podemos fazer uma live sobre isso. Me digam. A voz do povo é a voz de Deus por aqui.