Jojo entrevista: Letícia Magalhães da Malha
12 de Maio de 2018 POR Jojo COMENTA AQUI!

Vou falar uma coisa pra vocês, se tem uma coisa que eu amo sobre o UASZ é a desculpa que esse espaço me dá de bater na porta de um monte de gente legal e mandar um “oi! bora bater um papo?”. O “Jojo entrevista” é a prova mais óbvia disso. Uma coluna em que eu convido mulheres fodásticas pra compartilharem seus conhecimentos, experiências e aprendizados com a gente.

Hoje é dia de trazer mais uma dessas mulheres fodásticas pra cá. Pode ser que você não conheça a Letícia Magalhães, mas é bem provavel que você já tenha ouvido falar de alguns dos frutos do trabalho dela.

A Letícia Magalhães tem a mesma idade que eu, mas, confesso que quando vejo o currículo dela fico abismada como alguém pode ter feito tanta coisa em apenas 34 anos. E não tô falando em quantidade de coisas não, tô falando na relevância de cada coisa em que ela se envolve.

Foto: Bruno Bezerra

A Letícia se formou em design, trabalhou em um pouco de tudo, de produção de eventos a audiovisual e branding, até que se encontrou no empreendedorismo. Virou sócia do Templo – o primeiro espaço de co-working criativo do Rio de Janeiro – e é uma das sócias fundadoras da Malha, uma das iniciativas mais maravilhosas da moda brasileira dos últimos anos.

(sério mesmo, se você não conhece a Malha, precisa conhecer. O projeto tem como objetivo fomentar uma moda mais justa e consciente projetando novos designers e pequenas marcas brasileiras, fomentando a comunidade local e compartilhando conhecimento)

Hoje a Letícia está aqui, respondendo as minhas perguntas e dividindo com a gente um pouco das suas inspirações e motivações. E eu anotando cada resposta no caderninho mental pra ver se aprendo a ser tão produtiva e criativa quanto ela. Bora lá?

Jojo – Uma das coisas que mais chama atenção na sua trajetória é o quanto você se permitiu experimentar com diferentes disciplinas, do design ao branding, à produção de eventos, audiovisual e moda. O que te levou a trafegar por tantos lugares e o que essa trajetória tão diversa te trouxe?

Letícia – Olha, o que me levou a fazer um monte de coisas foi uma mistura de não saber o que eu queria com querer um pouco de tudo (rs). Sempre tive uma ansiedade de ter experiências diversas, de conhecer o mundo, de ver tudo que tem pra ser visto e viver tudo que tem pra ser vivido, sabe? Aquela sensação de que uma vida só não é suficiente. Eu sou daquelas raras pessoas que fez a faculdade certa de primeira – sou designer e isso me define com muita precisão. Mas nunca quis trabalhar em agência, achava aquilo tudo repetitivo e eu só pensava em criar novas realidades, em mudar o status quo. Queria trabalhar com inovação, colocar ideias relevantes na rua, testar jeitos novos de interagir com o mundo e não sabia como. Fui pulando de freela em freela procurando uma voz, procurando os meios pra colocar o que tinha dentro de mim pra fora. Falando assim parece romântico, mas é que passei por isso no meio da angústia dos 20 anos, quando a gente ainda pensa que precisa escolher só um caminho e “se encontrar”, quando a gente acha que vai resolver a vida inteira antes dos 30 (rs).

O que acabei aprendendo é que eu não estou perdida por aí embaixo de uma pedra pra ter que “me encontrar”; estou o tempo todo me construindo. Todas essas experiências me ensinaram alguma habilidade nova e me mostraram que é possível ter uma vida profissional dinâmica, mutante e com várias pequenas vitórias em vez de um grande pote de ouro no fim do arco-íris. De alguma forma, isso tudo me ensinou a viver pro agora: não sei o que vou estar fazendo em 3 anos (ou até menos), mas sei que vai ser 100% ligado a esse desejo de descoberta e mudança, e isso é suficiente. O que importa é que agora estou fazendo o que eu mais quero, e se daqui a pouco eu quiser outra coisa e resolver mudar, tudo bem.

Jojo – Você é super nova (tem exatamente a minha idade, então estou me colocando nesse pacote da juventude também hehehe) e já é sócia de empresas. O empreendedorismo sempre foi um caminho que você queria seguir ou surgiu em algum ponto específico da sua vida?

Letícia – Somos muito jovens!!! Me sinto muito mais leve com 33 do que aos 20 e poucos!

É muito bonito falar que é sócio de uma empresa, mas na real empreender não é esse glamour todo, né? É um estado de pressão quase constante, leva-se muito tapa e aprende-se muito na marra. Tem dias que tudo que eu quero é bater ponto às 6 da tarde e ir tomar uma cerveja com os amigos no boteco despreocupada com o futuro da empresa. rs.

Pra mim, empreender veio meio naturalmente e meio por acidente. Eu entrei no Templo como funcionária mas acho que estava empreendendo o negócio desde o primeiro dia. Saí me metendo em tudo (bem louca), implementando áreas e mudando a estrutura empresarial, gerindo processos, administrando as entregas, traçando o plano estratégico… Quando me dei conta, já era sócia. Eu fui trabalhar no Templo porque o propósito da empresa era muito alinhado com o meu, independentemente do modelo de negócios. Foi uma identificação lá na essência, daí fui construindo a forma desse propósito se manifestar. Eu acredito que a gente cria a(s) realidade(s) a cada segundo e meu trabalho é uma espécie de manifesto a favor da realidade em que eu quero viver.

A Malha foi o primeiro negócio que eu fiz nascer do zero – o que fez o Templo parecer molezinha rs. É muito trabalho envolvido em criar um negócio tentando equilibrar propósito, pessoas e lucro. Você sonha um monte de coisa, na realidade sai quase sempre diferente e você tem que lembrar de ter uma relação racional com aquilo que você gestou. O empreendedor é o cara que topa tudo: se tem que virar o negócio 180º do dia pra noite ele vai, se tem que ser designer aprendendo a fazer financeiro ele vai, se tem que sonhar mais alto e arriscar ainda mais… ele vai. Eu sempre quis empreender mas nunca tinha tentado abrir um negócio antes. Hoje em dia, percebo que eu não tinha a menor ideia do que era empreender rs! Mas gosto muito desse sentimento de realização e da autonomia, e empreender expandiu meu mundo pra projetos e pessoas que eu amei conhecer e colaborar. Acho que vou ser empreendedora pra sempre <3

Jojo – O que significa ser uma liderança feminina? Qual o impacto de ser mulher na sua jornada profissional?

Letícia – Intensa essa pergunta!

Acho que existe uma expectativa muito diferente das pessoas em cima da líder mulher, uma coisa um pouco maternal. Por incrível que pareça ainda sinto que todos esperam que você resolva os problemas, lide com o emocional de todo mundo, tenha excelência nos detalhes em tudo que você entrega e ainda por cima seja a imagem da delicadeza e da placidez (e se der, ainda lave umas louças). Ainda sinto como algo bastante real o desafio de ser levada a sério – já fui a muitas reuniões com meu sócio (homem) em que não tive a oportunidade de falar ou ele precisou agir como meu porta-voz. É inacreditável como o mundo profissional ainda é machista.

Internamente, sempre contratamos muitas mulheres para cargos de liderança (eu sou CEO do Templo e a Malha também tem uma CEO mulher, a maravilhosa Lilly Clark). Eu gosto muito do sentimento de estar me desenvolvendo junto com outras mulheres e adoro o fator emocional que as mulheres colocam nas decisões. A maioria das minhas decisões vêm de um lugar de intuição – não em um sentido de vidência, mas de um lugar em que me permito escolher o caminho mais alinhado com os meus valores e verdades e desenhar a estratégia a partir daí. Existe uma vulnerabilidade, uma coragem toda especial em liderar a partir da sua intuição.

Foto: Bruno Bezerra

Jojo – Qual o projeto que você tem mais orgulho de já ter feito ou estar fazendo agora?

Letícia – Eu tenho algum saudosismo por todos os projetos que fiz! Na Malha, estamos terminando um caderno de tendências sobre o futuro da moda (em parceria com a C&A) que foi incrível de fazer. Envolveu muita pesquisa, conhecemos muita coisa nova e pudemos traçar relações entre os grandes movimentos acontecendo no mundo, mapeando comportamentos. Daí, isso tudo vira uma série de relatórios de 80 páginas cada um, num layout lindo, com texto super acessível… e gratuito para qualquer pessoa que quiser baixar. Também curti demais desenvolver o branding da Malha – sinto um orgulhinho todo especial toda vez que vejo o logo que eu desenhei por aí. No futuro, quero fazer muito mais projetos de conteúdo e comportamento – gosto muito da troca de ideias!

*O caderno de tendências de 5 partes está disponível para download gratuito em malha.cc/cea/caderno .

Jojo – Qual foi a maior dificuldade que você enfrentou na sua carreira e qual a dica que você dá pra outras mulheres que estão na jornada do empreendedorismo?

Letícia – Acho que ainda é difícil pra mim sair do segundo plano, sabe? Eu gosto de ficar mais por trás das câmeras, mas muitas vezes isso diminui a minha voz. Uma vez li um artigo sobre a Jenna Lyons (CEO da J.Crew) em que a autora falava sobre a necessidade da mulher de se impor pra conquistar respeito profissional, o que leva a dois papéis possíveis: ou você é uma escrota bem-sucedida, ou você é uma querida fracassada. Acho que todas as mulheres deveriam lutar pra conquistar o meio-termo – ser levada a sério como líder e ganhar o seu lugar ao sol, mas sem perder a ternura.

No mais, a minha dica para qualquer empreendedor é que não se apaixone pela solução, e sim pelo problema. Se você estiver certo do objetivo, pouco importa o caminho, contanto que ele te leve até lá.

*Esse é o artigo: https://www.thecut.com/2014/01/how-to-be-powerful-likable-and-female.html

Jojo – Ao longo do tempo, o que tem te inspirado?

Gosto de tudo que traz questionamento e reinvenção! Viajar é minha maior fonte de inspiração – além de conhecer coisas totalmente novas, viajar até pra cidade vizinha me ajuda a realinhar a perspectiva sobre a minha vida e o meu papel no mundo, me ajuda a rever o meu próprio senso de autoimportância. Ano passado fizemos um Journey (nosso projeto de conexões internacionais) para Nova York pra buscar tendências de comportamento bem no lugar onde elas nascem, um sonho empreendedor que consegui realizar.

Foto: Bruno Bezerra

NYC é maravilhosa porque tudo que você quer ser e colocar no mundo existe por lá, tudo floresce. Também me sinto muito inspirada por pessoas que conseguem mudar a forma como enxergamos o mundo, pelos grandes iconoclastas como o David Bowie (que foi super inspiração pra marca da Malha). Como não podia deixar de ser, também acompanho vários escritórios de design disruptivos no mercado com o Sagmeister & Walsh, uma parceria de um dos maiores designers gráficos dos nossos tempos (Stephan Sagmeister) com uma mulher empreendedora de 31 anos, a Jessica Walsh. Ela, por sinal, tem vários projetos autorais além do escritório que são incríveis não só graficamente, como pelos temas de estudo de comportamento. Um deles é o 40 Days of Dating, em que ela registrou 40 dias de uma tentativa de relacionamento entre uma namoradeira em série (ela) e um solteiro inveterado.

*Sagmeister & Walsh: https://sagmeisterwalsh.com

40 Days of Dating: http://fortydaysofdating.com

Jessica Walsh: https://www.instagram.com/jessicavwalsh

Eu não sei nem como agredecer a Letícia por ter dedicado um pouquinho do precioso tempo dela pra responder as minhas perguntinhas.

Espero que vocês tenham curtido e aprendido e se insppirad tanto quanto eu.

E se você tem sugestões de mais mulheres incríveis que você gostaria de ver por aqui, deixa registrada a sua sugestão aqui nos comentários. Bora compartilhar com o mundo as experiências dessas empreendedoras maravideusas!