A difícil tarefa de admitir a nossa vulnerabilidade
9 de julho de 2018 POR Juliana Decanine COMENTA AQUI!

Há exatos 12 meses, eu deixei Auckland (Nova Zelândia) para morar na cidade pela qual me apaixonei dez anos atrás, em minha primeira viagem à Europa. Eu e meu marido deixamos o país incrível e distante que nos acolheu, deu amigos atenciosos e proporcionou viagens a alguns dos lugares mais lindos que já visitamos. Deixamos nossos empregos em empresas bem sucedidas e onde o nosso trabalho era valorizado: ele, por outra irrecusável oportunidade de trabalho, e eu, pela expectativa de atuar no mercado global e competitivo de Londres.

Foi um ano intenso em todos os sentidos: de encontrar uma casa e se estabelecer numa cidade complexa como essa, de aprender a administrar o tempo e as próprias expectativas, aceitar os NÃOs da rejeição e dizer mais SIMs a novas descobertas. Foi por isso que eu disse sim à querida Joanna, quando ela me convidou para escrever para o Um Ano Sem Zara, esse projeto pessoal corajoso que se tornou uma marca poderosa. Quando ela iniciou seu blog, anos atrás, admitiu para si e expôs publicamente sua vulnerabilidade ao revelar sua compulsão por compras e transformou isso em criatividade, reflexão e rentabilidade. Vale lembrar que a Jô é publicitária, mas o blog gera fontes de renda complementares, permite conhecer gente interessante e discutir a responsabilidade sócio-ambiental da moda, bem como seu uso como meio de expressão individual e empoderamento feminino enquanto negócio.

E por falar em vulnerabilidade, você já deu atenção a isso alguma vez? O que é vulnerabilidade para você e como você a trata? O que já aprendeu com isso?

Até poucos anos atrás, eu era mais o tipo de pessoa que diria: “Vulnerável? Não, nunca fui. Estou bem comigo, obrigada”. E estou certa de que muitos de nós passaram bastante tempo se esforçando para buscar a perfeição em tudo o que fizemos, como se a vida fosse um pódio e só valesse estar no primeiro lugar. Eu fui, ao mesmo tempo, diretora de contas em agências de comunicação e DJ, fazia academia, praticava yoga, lia pelo menos três jornais todos os dias, assistia a filmes, séries e shows, e ainda encontrava tempo para cozinhar e estar com marido, família e amigos.

“Como você consegue fazer tudo isso?”, sempre me perguntavam. Ah, que alimento para o ego! Felizmente, depois de anos batendo a cabeça, gerindo equipes e crises de comunicacão e algum tempo de terapia, aprendi que o melhor, mesmo que doloroso, é reconhecer e expor suas próprias limitações (sim, TODOS temos), aceitar a imperfeição e transformar isso em aprendizado e força. Na verdade, eu estava exausta, tive uma inflamação grave no quadril, sentia falta de ar frequentemente. Passei a pedir ajuda ou aconselhamento mais vezes, a delegar mais e a deixar de querer ser uma pessoa multitarefas, buscando, principalmente, estar mais presente em cada uma das minhas atividades, uma por vez. A resposta foi imediatada: eu me senti mais leve, mais criativa, mais confiante e mais feliz.

Especialista em vulnerabilidade e autora de alguns dos livros mais vendidos sobre o assunto no mundo todo, a pesquisadora Brené Brown foi a minha leitura de cabeceira nesse último ano. Após 12 anos de pesquisa sobre o tema, ela chegou à conclusão de que as pessoas que mais acreditam em si e encontraram o sentimento de pertencimento são aquelas que tiveram a coragem de serem imperfeitas, que são gentis consigo mesmas, perdoam-se por erros cometidos e que são apenas quem elas querem ser, e não aquilo que elas acham que deveriam ser. Na conclusão dela, essas pessoas abraçaram a sua vulnerabilidade, permitindo que outras vissem quem elas realmente são, gerando então identificação e engajamento. What makes you vulnerable, makes you beautiful (O que te faz vulnerável, te faz bonita (o)). Assista aqui a essa verdadeira aula dela sobre o assunto e um dos TEDtalks mais vistos de todos os tempos.

Agora, já morando fora do Brasil há dois anos e meio, percebi que precisava acessar a minha vulnerabilidade novamente: falando abertamente sobre as consequências da minha segunda mudança de país (como recomeçar outra vez em um mercado em que sou imigrante e ainda não tenho uma rede de contatos consolidada, o que é fundamental para um profissional da minha área) e dando espaço para o novo acontecer (atuar como freelancer, prospectar e diversificar as entregas de trabalho, por exemplo). Nos últimos 15 anos, eu havia trabalhado com Relações Públicas e Comunicação Corporativa em empresas de diferentes culturas, mas sempre pertencendo a algum lugar, com meu título no LinkedIn garantido e uma carteira de clientes invejável. Hoje, há um ano fazendo trabalhos como profissional independente, construindo uma nova rede de contatos, estudando e trabalhando na minha recolocação profissional aqui em Londres, posso dizer que o momento em que me vi mais vulnerável (ou exposta) foi me encontrar sem um título ou uma única posição profissional que definisse quem sou e o que posso fazer – como se isso fosse a única coisa que definisse uma vida inteira, só porque essa era a única Juliana que eu conhecia. Vamos combinar que, com tanta coisa para fazer e pratinhos para equilibrar, eu havia dedicado pouco tempo ao meu autoconhecimento. Parece simples de resolver, mas só quem viveu essa intersecção sabe o quanto isso pode ser desafiador, frustrante e enriquecedor, tudo ao mesmo tempo. Desapegar dos meus rótulos anteriores e estar disposta a encontrar novos EUs e novas possibilidades para mim foi o maior aprendizado que tive nesse período.

Reencontrei e acolhi a minha vulnerabilidade. Sigo em busca de respostas. Mas mudei as perguntas. Eis que encontrei não um, mas alguns caminhos para aplicar o meu conhecimento, a minha energia e as minhas paixões. Escrever aqui para vocês foi uma das respostas que encontrei para ampliar os meus talentos e as minhas possibilidades. Acredito que todos nós deveríamos dividir nossas dúvidas, dificuldades e experiências para, assim, aprender, abrir portas e ajudar a encontrar o que há de vulnerável e bonito uns nos outros.

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Juliana Decanine é uma brasileira do interior de São Paulo que vive em Londres. Nunca foi de uma tribo só: formou-se em Relações Públicas pela Unesp, estudou Branding na FGV, discotecagem no Senac e corte e costura no CityLit. É DJ de rock, electro rock, indie rock, nu disco e música brasileira. Ama a Estação da Luz em São Paulo, o bom humor do carioca e o céu azul da Nova Zelândia.