Somos mais Damares do que gostamos de admitir
15 de Janeiro de 2019 POR Jojo COMENTA AQUI!

2019 mal tinha começado e a gente foi confrontado com um ponto de vista um tanto quanto conservador da nossa nova representante à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Ao assumir o cargo, Damares Alves proferiu a infame frase:

“É uma nova era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa.”

No próprio discurso de posse, a ministra já havia mencionado que meninas serão princesas e meninos serão príncipes. Um conceito tão arcaico e distante da complexa e muitas vezes dura realidade do que significa ser mulher (ou até mesmo homem – em breve vamos falar de masculinidade tóxica por aqui) em 2019 no Brasil, que chega a ser cômico (se não fosse muito trágico).

Logo que dei de cara com o vídeo nas redes sociais e, em seguida, ví minha timeline ser inundada por posts de meninas que admiro vestindo azul e homens vestindo rosa, resolvi que eu também tinha que manifestar a minha revolta com relação à fala da ministra.  Rapidamente fui lá nos posts do blog, achei uma foto de um look azul e postei no meu Stories. A escolhida foi essa aqui:

10 minutos depois eu fui lá e apaguei a tal foto.

Não, eu não apaguei a foto porque um raio caiu sobre mim e me fez, de repente, concordar com a ministra. A verdade é que nem a própria ministra concorda com sua, agora famosa, frase. Prova disso é que no mesmo dia, Damares foi vista em um shopping vestindo justamente a cor que ela mesma condena.

Eu apaguei a foto porque, mesmo estando inteirinha vestida de azul, aquela foto continuava a transmitir a mensagem que a ministra queria passar. E a que eu tanto queria publicamente condenar.

Segundo Damares, a frase tinha como intuito combater a ideologia de gênero. Eu nem vou entrar na discussão sobre ideologia de gênero simplesmente porque ela não existe. De uma vez por todas: ninguém vira gay porque brincou de boneca ou carrinho, usou rosa ou azul, faz judô ou ballet ou foi exposto à educação sexual na escola. Pelo contrário, falar sobre sexualidade nas escolas é crucial para evitar bulling, violência, depressão, transmissão de DSTs e gravidez na adolescência, entre milhões de outras coisas. Não se trata de pregar ideologia de gênero (que, novamente, não existe) se trata de disseminar informação e pregar respeito ao próximo.

Dito isso, voltemos ao meu motivo para deletar a foto do look azul.

Pra mim o discurso da Damares é ainda mais arcaico do que queremos acreditar. Ele fala sobre reforçar códigos de gênero, um conjunto de regras que estabelecem a maneira certa de ser menina e a maneira certa de ser menino. Menina tem que ser doce, maternal, vaidosa, prestativa e discreta. Menino tem que ser forte, ambicioso, não pode chorar e tem que ser pegador. É esse imaginário coletivo que Damares evoca quando fala em rosa e azul.

Ouvimos e imediatamente nos revoltamos. E saímos por aí postando fotos vestindo azul e rosa e os diversos tons do arco-íris. E esse combate automático a uma fala que, sim, é retrógrada e perigosa, é ótimo. Mas precisamos ir além. 80% das fotos que ví na minha timeline eram de meninas que exalavam “feminilidade”, mesmo vestindo azul. E meninos bem “másculos” vestindo rosa. Então vamos ser sinceros e nos perguntar: que padrão que estamos quebrando com isso?

A verdade é que talvez o discurso de Damares incomode tanto porque, como sociedade, nos vemos refletidos nele. E foi por isso que apaguei a foto e resolvi pensar e escrever um post. Porque eu também faço parte dessa sociedade e não estou imune a ter esses códigos tão firmemente impressos no meu inconsciente que muitas vezes é necessário um esforço grande e muito consciente pra me livrar deles.

Voltemos à minha foto. Cabelo comprido: check. Raiz feita: check. Maquiagem: check. Calça acinturada: check. Pose charmosinha: check. O que foge um tiquinho do padrão? Se eu forçar a barra, talvez possa dizer que a calça e o sapato flertam com o código dito masculino.

Como sociedade, ainda replicamos e muitas vezes celebramos esses códigos. Já viu algum chá de bebê que não fosse rosa ou azul? E o chá de revelação do sexo então? Ou já se questionou por que marcamos o corpo das meninas ao furar suas orelhinhas antes mesmo que elas tenham poder de escolha?

Ou já considerou uma mulher desleixada só porque ela deixa seus cabelos brancos à mostra ou não usa maquiagem no dia a dia? Ou taxou de gay a mulher que se veste com roupas mais largas e o homem que curte estar mais arrumado? E de puta a que mostra o corpo? Já achou ok um cara mais velho estar com uma mina mais nova mas achou esquisito quando viu o contrário?

Cada um desses comportamentos vai ajudando diariamente a reforçar esses códigos que a ministra deseja reforçar. E que nos leva como sociedade a perpetuar violências contra ambos os gêneros, mas especialmente nos leva a manter fragilizados aqueles que são diferentes da norma.

Aliás, essa galera fora da norma também se expressou contra a Damares e foi lindo de ver. Gente como a Alexandra Gurgel, que postou uma foto bem relax na praia com sua mozão.

 

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Portanto, antes de sair por aí expressando a sua revolta através de um look muso azul ou rosa, eu queria te propor uma auto-avaliação. Olha aí pra dentro, pra suas atitudes no dia a dia, pros seus julgamentos e pré-conceitos, e avalie: quão Damares é você? Quando tiver a resposta, vai ficar bem mais fácil lutar contra ela.