É possível saber que marcas são éticas de verdade?
21 de Maio de 2019 POR Jojo COMENTA AQUI!

A Loja Três é uma marca carioca com lojas no Rio e em São Paulo, que cresceu com o discurso da produção local e ética, que valoriza as pessoas e o trabalho que cada uma delas exerce ao longo da cadeia de produção.

Seria lindo, se fosse real.

Ontem o canal Universa, do Uol, publicou uma reportagem que traz à tona relatos 11 funcionários da Três com denúncias de racismo, homofobia, gordofobia, assédio moral e violação sistemática de leis trabalhistas. As atrocidades narradas na matéria vem de funcionárias de diversas áreas da empresa e revelam casos em que mulheres negras foram obrigadas a desfazer seus dreads, modelistas foram privadas de itens básicos como água e papel higiênico e  vendedoras foram submetidas a jornadas longas de trabalho sem direito a hora extra ou folga.

Ler sobre experiências assim é sempre difícil de digerir. Saber que tem marcas em 2019 que ainda se acham no direito de tratar trabalhadores dessa forma seria de se espantar, se não fosse tão comum. Ontem, quando a matéria foi publicada, eu fiz uma série de Stories no Instagram falando sobre o assunto e recebi dezenas de mensagens de seguidoras que trabalharam em outras marcas e que sofreram ou presenciaram abusos semelhantes (se você quiser ver, eu salvei eles nos meus Highlights no tópico Moda Consciente, basta entrar aqui no meu Insta pra ver)

Mas o que faz desse caso ainda mais revoltante é perceber a total desconexão entre o discurso que a marca pregava em sua comunicação e a maneira como a empresa realmente agia na vida real.

Eu mesma fui seduzida pelo discurso da Três. Lá em 2016, cheguei a fazer um post sobre a marca, ressaltando esse aspecto humano e de preocupação com a cadeia de produção.

A verdade é que a Três realmente se esforçava pra transmitir essa imagem. Videos institucionais mostravam costureiras e modelistas dançando alegremente na fábrica ao som de Respect (“respeito”) de Aretha Franklin. Na etiqueta, a foto e o nome da pessoa que tinha feito aquela peça. No Instagram, campanhas ressaltando a beleza da diversidade.

Não é a primeira vez nem vai ser a última que uma marca se apodera do discurso da ética ou da sustentabilidade para lucrar. Marcas como H&M e Zara são rotineiramente acusadas de “greenwashing” ou “ethical washing”, ou seja, de realizarem iniciativas pontuais só pra pular no bonde da ética e sustentabilidade e ficarem bem na fita com os consumidores. O problema é que as iniciativas não almejam resolver de fato os problemas e nem de longe refletem as verdadeiras preocupações e ambições dessas empresas (que a gente sabe bem quais são: $$$).

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Livia Firth (@liviafirth) on

E a pergunta que fica é: então como é que eu faço pra saber quem é quem? Como que eu separo quem realmente realiza um trabalho ético e sustentável da galera que só tá querendo conquistar o nosso green money?

A verdade é que essa resposta talvez seja impossível de responder com 100% de certeza. Até porque algumas marcas focam em um aspecto (sustentabilidade por exemplo) e negligenciam outros (como ética ou diversidade por exemplo). E é por isso mesmo que temos que ficar vigilantes e estarmos prontas pra ouvir e reagir quando um caso como esse vem à tona. Mas, antes disso, podemos estar atentas a alguns sinais que ajudam a separar o joio do trigo e diminuem as chances de apostarmos numa marca que não condiz com as coisas que a gente acredita. Aqui vão alguns deles:

QUANDO CAMPANHAS SÃO MAIS IMPORTANTES QUE FATOS

Qualquer marca pode falar de sustentabilidade e ética em suas campanhas. Qualquer marca pode imprimir camisetas com mensagens feministas. Mas marcas realmente comprometidas com essas causas, que realmente vivem isso no dia a dia, sabem como essas pautas exigem muito conhecimento, muito trabalho de pesquisa, muito investimento. Por isso, elas fazem questão de detalhar seus esforços de forma aprofundada, compartilham metas concretas e o progresso que estão fazendo para cumpri-las e, sempre que possível, usam certificados de órgãos reguladores e ONGs para comprovar seus esforços.

A Everlane, por exemplo, considerada um exemplo dentro da indústria por suas práticas éticas, divulga em seu site a lista detalhada de todas as fábricas ao redor do mundo que produzem suas peças, como eles escolheram trabalhar com elas, os materiais usados na fábrica e um pouco sobre o dono daquela fábrica.

No que diz respeito a certificados, um bom exemplo é o Better Cotton Initiative (BCI), da qual empresas podem ser membros. A iniciativa visa promover maneiras mais sustentáveis de produzir algodão, oferecendo mais qualidade de vida para quem produz e incentivando formas de produção com menor impacto ambiental.

Portanto, procure por esse detalhamento no site das empresas. Elas falam sobre isso de forma superficial ou só em vídeos bonitos no Instagram? Desconfie.

QUANDO A MARCA FAZ MUITO BARULHO POR POUCO

A marca faz o maior auê porque seus funcionários tem acesso a um dia de folga por semana? Ou porque não usa determinado componente químico na produção de suas peças? Já parou pra pensar que eles podem estar apenas cumprindo a lei?

Ainda vivemos num país com leis trabalhistas e um mínimo de leis ambientais (não sei por quanto tempo, mas elas ainda existem) e marcas que as cumprem estão simplesmente cumprindo suas obrigações mínimas. Não tem do que se gabar.

QUANDO ROLAM COMPORTAMENTOS CONTRADITÓRIOS

A marca se diz super sustentável mas todas as suas entregas vem embaladas em papel de seda ou plástico.

A marca se diz correta mas cobra preços irrisórios por suas peças.

A marca se diz super inclusiva mas sua grade só vai até o 42.

A marca se diz super diversa mas só usa modelos “padrão”.

A marca se diz super feminista mas o quadro executivo é todo formado por homens.

A marca se diz super ética mas só paga modelos e influenciadores com roupa.

Deu pra entender como esses comportamentos são contraditórios e problemáticos? Se uma marca diz que acredita numa coisa, então não dá pra fazer o oposto por conveniência. Isso se chama oportunismo.

QUANDO ELAS SÃO MAL AVALIADAS EM PLATAFORMAS DE SUSTENTABILIDADE

A pergunta desse post não é de hoje. Tanto que vários apps e plataformas foram desenvolvidas nos últimos anos para avaliar empresas de acordo com suas práticas.

O Good on You é o maior nome desse mercado. A empresa, que não tem fins lucrativos, faz um ranqueamento de marcas do mundo todo, avaliando o desempenho de cada uma delas no que diz respeito a sustentabilidade, tratamento de animais e ética na cadeia de produção.

Tudo isso fica agregado num aplicativo no qual você pode buscar por uma marca e ver como ela está performando em cada um desses critérios. O app também te sugere marcas semelhantes a que você buscou que estão melhor posicionadas no ranking: ou seja, são alternativas mais éticas e sustentáveis.

Lógico que, por ser internacional, ele não tem muitas das marcas brasileiras, mas é um bom lugar pra ver como as marcas grandes estão agindo.

No Brasil, o Moda Livre tenta cumprir o mesmo papel, mas ainda em pequena escala com os principais varejistas do País.

QUANDO SAEM NOTÍCIAS COMO ESSA

Sim, vão ter vezes que a gente não vai saber se a marca é ou não ética até que sai uma notícia dessas. E tudo bem, a vida é corrida, a gente tem mil coisas pra fazer e prestar atenção e ninguém tem obrigação de saber as práticas internas de cada empresa. Porém, uma vez que a gente sabe, a gente precisa se posicionar.

Se posicionar pode significar muitas coisas. Desde divulgar o ocorrido pra dar mais voz às vítimas e contribuir pra que mais pessoas possam também se posicionar, passando por cobrar punição para a empresa, até boicotar a marca completamente. A verdade é que marcas precisam sofrer consequências por seus crimes (sim, crimes). O que não dá é pra não fazer nada.

Outra coisa importante é procurar saber se a marca já esteve envolvida em algum escândalo, entender as acusações e acompanhar como as marcas se comportam depois do ocorrido. Pedir desculpas não é o suficiente (no caso da Loja Três eles nem sequer admitiram o que aconteceu, muito menos se retrataram), é preciso saber que tipo de ações concretas foram tomadas para impedir que o ciclo se perpetue.

Pra finalizar esse post, vale lembrar de um ponto levantado pelo Instituto Akatu: nenhuma companhia pode ser totalmente sustentável, especialmente no mercado de moda. A verdade é que precisamos de muito pouca roupa pra viver. Marcas de moda, por natureza, tentam vender algo supérfluo e efêmero e tentam fazer isso com uma frequência cada vez mais avassaladora. Isso não é sustentável e ponto.

Pra moda se tornar sustentável e ética de verdade, vamos precisar rever toda a maneira como a indústria opera e, além, como a nossa economia e o capitalismo operam. Mas algumas atitudes podem tornar as empresas que atuam nesse mercado mais, ou menos, conscientes do seu papel social. Respeitar as leis trabalhistas, ser ambientalmente correta no seu modo de produção e trabalhar com fornecedores legalizados já é um bom caminho para melhorar essa relação.

Mas precisamos pensar também que comprar de marcas éticas não é a única maneira de consumir de forma consciente. Comprar menos, promover trocas, comprar peças usadas, reformar o que já temos, inventar novas maneiras de usar o que está no armário, tudo isso é muito mais sustentável do que comprar uma peça nova.

Se você tem outras dicas de como identificar marcas realmente sustentáveis ou de outras práticas de consumo consciente, não deixa de comentar aqui embaixo. Vamos compartilhar esses conhecimentos porque é útil pra todo mundo.